A garotinha insistia

A garotinha insistia: “Minha mãe não deixa! Ela quer que eu coma frutinha”. Enquanto a adulta que lhe acompanhava retrucava inconformada: “Mas eu deixo, pode pegar um chocolate”, a pequena, que parecia ter entre cinco e seis anos,mantinha-se firme e irredutível: “Minha mãe não deixa eu comer chocolate. Ela só deixa eu comer frutinha. ”

 Estávamos em uma loja especializada em chocolates. Observei que os três adultos e as cinco crianças que os acompanhavam escolhiam as delícias para animar o filme que começaria dali a pouco. Típico programa de férias. Foi então que estranhamente constatei que a adulta debochava da pequena: “Frutinha!!! Ela quer comer frutinha!!!! Que frutinha a princesa quer comer no cinema? Melancia? Abacaxi? Vou comprar uma jaca para você! ” A menina começava a se sentir humilhada e encabulada afastava-se dos demais, quieta e cabisbaixa.

O único homem do grupo chegando ao caixa perguntou se todos já haviam feito suas escolhas. Ouviu que sim, menos a garota que se esforçava para obedecer a mãe. Foi então que, sem surpresa, ouvi “ Pode pegar uma caixinha para você, o tio deixa. Pega lá, o tio mandando”. Não restou alternativa; a menina obedeceu. Não sei se pressionada pelo deboche humilhante, por ser obediente ao adulto responsável do momento ou se realmente por gostar do chocolate.

O que me chamou a atenção foi a falta de sensibilidade dos adultos que a acompanhavam. Gostaria de apontar o que me incomodou demais. Em primeiro lugar, o fato de não se inclinarem a perguntar sobre o porquê da mãe não permitir a ingestão do chocolate.Seria por alergia? Por opção de uma vida mais saudável sem esse tipo de gordura e açúcar? Algum problema de saúde a impedia? Em segundo lugar, a adulta ter debochado do hábito saudável da criança, criando uma situação embaraçosa e desconfortável para a pequena. Em terceiro, e não menos pernicioso, o fato de terem desautorizado a mãe, se sobrepondo à sua ordem. O tio estava deixando, mandando. Criaram uma confusão na cabecinha obediente: quem de fato manda em mim?

A falta de reflexão e critério cria para a criança uma enorme confusão sobre em quem acreditar e como acatar ou obedecer. O que vi ali foi um duelo cruel entre uma criança muito obediente que tentou, até onde suas forças permitiram, resistir e acatar o que foi pela mãe anunciado como ordem. Do outro lado, uma adulta que não nutre respeito por crianças e acha que pode ridicularizar e expor (duvido que faria da mesma forma com um par) e um adulto que podia até ter boas intenções de agradar, mas que no final das contas, não foi ético e nem responsável.

Todo o cuidado é pouco quando permitimos que nossos filhos se afastem de nossos cuidados. E cuidado redobrado quando os filhos não são nossos, mas aceitamos tê-los conosco.

Ângela Alhanati
contato@angelaalhanati.com.br
Livre pensadora exercendo seu direito à reflexão

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