Aconteceu no sinal

Resolveu ser prudente e por isso não arriscou. O sinal já estava laranja e se pela transversal viesse um sujeito atrasado o encontrão seria desastroso. Freou. Mas ficou sobre parte da faixa de pedestres. Posição inadequada, pensou. De modo que engrenou a marcha a ré e deu espaço aos transeuntes. Foi devagar, entretanto não pode evitar o choque com o carro que estava atrás.

Num instante metade da cidade veio ver e julgar. O rapaz, à porta da padaria, disse ao amigo que acendia um cigarro: É mulé! O guarda municipal estalou a língua: logo agora que estava em uma fase avançada do jogo no celular. A atendente da loja de cobertores veio ver se a notícia esquentava a manhã. O marido de mãos dadas com a esposa reprovou: Como pode não olhar pra trás? E a esposa, que pensava em um namorado de juventude que a trazia para passear no centro da cidade, buscou amenizar e voltar logo para suas lembranças: Deve ser um senhor. Distraiu-se. Enquanto isso, na banca de jornais, falou um rabugento: Todo errado. Não foi nem ficou. Depois tentou concertar e piorou tudo de vez. Meus Deus do céu, que país é esse? E não houve quem não diminuísse o passo para ver quem sairia do carro. Porque os vidros eram cobertos por um negrume impenetrável.

E saiu. Nem mulher nem idoso. Mas com a intenção de dar espaço aos pedestres. Desatento o suficiente para chamar a atenção de todos os ocupados e desocupados. Era um jovem. Ninguém havia acertado, mesmo assim todos ecoaram de imediato: Eu sabia. Só podia ser.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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