Por instinto

Posso calcular as estações do ano de acordo com o sono do meu cachorro. Tanto é que me desligo das datas oficiais e vou comemorando tendo como guia o instinto canino. Já é inverno faz umas três semanas. O cachorro dorme na varanda e ainda assim o sereno lhe umedece o pelo preto, embora ele fique sob o telhado a noite inteira. Mas quando o frio é ainda mais afiado, pela hora que divide a noite do dia, ele se levanta sem latir e deita sobre as placas de grama na frente da janela da sala. E ali não há telhado, nem capacho. No entanto ele insiste e espera o primeiro raio de sol da manhã para bebê-lo como eu bebo um café forte e fumegante. Então acorda e age de acordo com o seu modo cachorro de ser.

Mas no verão ele não faz isso. Dorme em qualquer canto. Exceto sobre as pedras do quintal que passam o dia inteiro filtrando o sol: passa a luz e fica toda quentura dos 40° célsius. E no instante em que frescor da noite irá se abracadabrar em dia de sol que já nasce adulto, ele se levanta e deita nos fundos do quintal, na sombra, sob a janela da cozinha.

Aí um amigo de algum litoral quente me liga perguntando sobre o frio, eu abro as cortinas e procuro o cachorro. Olho para as pedras e para o capacho na entrada da porta da sala. Não demora e posso lhe dizer com convicção se é inverno ou é verão. (outono e primavera que fiquem para outra crônica!).

Rafael Alvarenga
escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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