O mamoeiro que eu não plantei

Faz tempo que ponho as mãos na terra. Horta, pomar, jardim e até ajuda para reflorestar áreas devastadas já fizeram parte dessa minha geografia de vida. Histórias de laranjeira plantada a partir de caroço e limoeiro comprado em caminhão de planta de enxerto já escrevi.

Mas houve também roseira cuja poda dava dó. Maria sem vergonha na janela. Cacto na pia do banheiro. Lírio da paz ao lado da televisão. Manjericão em vaso na beirada da calçada. E erva daninha crescendo a quilos depois das primeiras gotas de chuva de outubro. Enfim, houve o que plantei e até o que não plantei.

Só não houve foi mamão. Plantei em uma casa e me mudei. Em outra tirei do vaso e uma tempestade sem precedentes – posto que era agosto – me deixou a terra despudoradamente nua. Como se fosse simpatia cheguei a enterrar mamão inteiro. Sem lhe comer um naco sequer. Pois assim me disseram que era infalível! Bem, não sei o que houve. Mas mamão não houve.

Até que a última tentativa ia vingando. Três mudas fortes que de tudo eu protegia. Estavam lindas até o dia em que tomei a roçadeira do vizinho emprestada para cortar o mato do quintal. Cortei os mamoeiros juntos e o desolamento me abateu muito mais que o cansaço.

Então vieram os passarinhos. Comeram mamão não sei onde e deixaram sementes na brita que separa a varanda da relva. Nasceu ali um mamoeiro forte. Já desabrochando as primeiras flores. Cresce com uma velocidade que eu nunca vi e seu verde é forte como um músculo. Está viçoso e por precaução eu pouco lhe ponho as mãos.

Rafael Alvarenga
escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

Você pode gostar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O limite de tempo está esgotado. Recarregue CAPTCHA.