Três vacas

Quando eu passo pela esquina vejo três vacas. Estão deitadas justamente onde o capim foi cortado. É noite e uma tempestade enérgica ronda o mundo embarcada em um vento ameaçador. Olho para as vacas muito antes de me aproximar delas. Passa pelo meu corpo a necessidade de correr caso elas se levantem determinadas em minha direção para tirar alguma satisfação. Afinal, a tempestade não lhes incomoda, o vendaval e os raios e trovoadas tampouco. Eu aperto o passo; espremo-me no outro lado da rua. Se elas se levantarem correrei como o protagonista de um filme de aventura na cena em que o chão se vai ruindo atrás dele, pedaço por pedaço. As três vacas me olham firmemente. E não há sorriso ou sinal de simpatia em sua grande cabeça. Apanho no chão uma pequena vara. Fina, flexível, curta. Nenhum perigo a oferecer ao coro grosso de uma vaca. Mas, assim armado, estico a coluna, ergo a cabeça, aprumo os ombros, encho o peito e engulo a barriga. Cresço dentro da noite. E as vacas me olhando sem qualquer discrição. Vou chegando à esquina. Território delas. Meu coração bate forte e pode ser ouvido sem a ajuda de um estetoscópio. Empunho a vara, prendo a respiração e me endureço. Estou próximo delas, do outro lado da rua, quando um raio seguido de um trovão estrepitoso faz tremer o chão, a vara, e os meus joelhos. Corro em automático desespero. Quase caio. Me sinto ridículo. Paro e volto os olhos. Pela primeira vez na vida vejo três vacas sentadas numa esquina se olhando e rindo como se perguntassem: E são esses animais que se julgam os donos do mundo?

Rafael Alvarenga
escritor e professor de Filosofia
www.blogspot.ninhodeletras.com

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