Cuba e EUA anunciam retomada de relações diplomáticas

O anúncio do “descongelamento” das relações diplomáticas – termo técnico usado na diplomacia – entre os Estados Unidos e Cuba, nesta quarta-feira, dia 17, 53 anos depois do rompimento das relações entre os dois países, é o primeiro passo para o fim do embargo econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos desde 1962. Na estimativa do governo cubano, mais de meio século de embargo provocaram a perda de aproximadamente US$ 1,1 trilhão.

Para o economista colombiano Carlos Martínez, doutor em relações internacionais pela Universidade de Paris e analista geopolítico, a pressão internacional foi fundamental para a retomada do diálogo.

– A América Latina e o Vaticano foram importantes instrumentos de pressão sobre o governo de Barack Obama. A ação em bloco dos países da Unasul [União das Nações Sul-Americanas] e a gestão do papa Francisco foram importantes para que os dois países dessem esse passo de reaproximação – avalia Martínez.

O especialista em relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Pio Penna, entretanto, avalia que a pressão dos países vizinhos ou mesmo do Vaticano não foi a principal razão.

– O que aconteceu foi que Obama já tinha esta meta, simplesmente pelo fato de que o embargo é anacrônico e inconcebível nos dias de hoje – defende.

Para ele, ainda que politicamente a pressão dos países vizinhos mostre coesão do bloco regional neste tema, a política dos EUA não costuma se “dobrar” aos apelos latino-americanos.

– A América Latina não tem poder para pressionar os Estados Unidos. Neste caso, as gestões só referendam intenções já declaradas – frisa o professor.

O economista colombiano defende que o cenário favorável foi construído com a participação dos países vizinhos.

– Brasil, Argentina, Venezuela bancaram Cuba e mostraram que a ilha é viável. O porto de Muriel, financiado pelo Brasil, e o dinheiro investido pelo governo venezuelano desde o início do governo [Hugo] Chávez ajudaram os cubanos a se manter, apesar do embargo – destaca.

– Cuba mostrou-se viável apesar dos problemas enfrentados. Mostrou ser um polo tecnológico, médico e de biotecnologia, ainda que a ilha enfrente um inegável atraso econômico – pontua Martínez.

Apesar da retomada do diálogo, a suspensão do embargo econômico não será imediata porque a sanção não pode ser removida por decisão presidencial. O Congresso norte-americano precisa aprovar uma lei para anular o embargo, estabelecido por meio de normas federais. Algumas vigoram desde 1962, ano em que a sanção começou a ser aplicada, outras foram sendo votadas ou modificadas posteriormente. Entre elas estão a Lei Torricelli (lei para Democracia Cubana) de 1962, aprovada pelo Congresso e que incrementou sanções anteriores, e a chamada Lei Helms-Burton, de 1996, que também ficou conhecida como Lei de Liberdade e Solidariedade Democrática Cubana.

A Torricelli justificava o bloqueio com argumentos de segurança dos Estados Unidos e a Helms-Burton regulamentou outras leis e decretos presidenciais adotados desde 1962 sobre o tema do embargo.

– A Helms-Burton precisa ser revogada e isso depende do Congresso – lembra Martínez. Nesta quarta-feira  (17) o presidente Obama disse que irá levar levar o tema para discussão no Legislativo.

Pio Penna avalia que, internamente, a retirada do embargo é um tema delicado.

– Por mais de 50 anos, o embargo foi justificado como necessário, ainda que anacrônico e incoerente no mundo atual, mas retirar isso depende da habilidade do governo de convencer o Congresso sobre a necessidade dessa suspensão – destaca.

Até o final do mandato de Obama, em 2016, o Congresso norte-americano tem maioria republicana. Muitos deles, logo após o anúncio do governo, criticaram a decisão da Casa Branca.

– É cedo para falar se a reação contrária é só discurso político para o eleitorado republicano. Porque, em uma análise pragmática, o partido também pode optar pela sensatez de retirar um embargo que não se justifica – destaca o professor brasileiro.

Martínez lembra que, apesar do embargo ainda estar em vigor, algumas medidas já vem sendo adotadas, como menos restrições para a concessão de vistos para cubanos, e a maior quantidade de produtos estrangeiros, sobretudo da Europa, sendo comercializados na ilha.

– Obama se deu conta que o isolamento não se justifica – diz o colombiano. Em seu pronunciamento ontem, Obama disse que “isolar Cuba” não resolveu os problemas.

Para Pio Penna, os Estados Unidos é que estão isolados na postura do embargo.

– Não só na economia. Não há motivo para que Cuba seja mantida na lista dos países ligados ao terrorismo – completa.

Com relação ao futuro do governo Raúl Castro e à abertura econômica, Martínez acredita que os Castro já vinham trabalhando em uma transição gradual.

– O próprio presidente Raúl Castro disse, no ano passado, que este será seu último mandato – relembra.

Penna, por sua vez, enfatiza que o efeito da reaproximação poderá mudar “substancialmente” o país e influenciar na abertura política da ilha.

– Quem quiser ver a parte histórica de Cuba, a parte que não se desenvolveu e o retrato do socialismo no país, dever ir rapidamente para a ilha. Em pouco tempo, o ambiente deve mudar muito e o reflexo da chegada de bens de consumo pode influenciar diretamente na vida da população, sobretudo na mais jovem – palpita.

Martínez acredita que Cuba deixará o seu legado histórico na resistência e no contraponto do pensamento independente na América Latina. Mas avalia que “ainda é cedo para dizer o que vai acontecer”, quando perguntado se isso poderia ser o fim da era Castro.

Mais contundente, Penna acredita que podem ser esperadas mudanças, ainda que Raúl Castro passe o governo a um sucessor na intenção de manter a mesma linha de governo.

– Com mais abertura, mudanças poderão ser exigidas, sobretudo pelos mais jovens.

Fonte: Agência Brasil

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