QUEM PENSA? O planeta perde a poesia e ganha a guerra!

Três poetas brasileiros deixaram o planeta esta semana. Junto com eles crianças palestinas mortas junto ou não com seus pais e avós, na Faixa de Gaza, numa guerra, como todas as outras guerras, cruel, bárbara, hedionda e apoiada por lideranças mundiais, como os Estados Unidos que ainda têm a desfaçatez de declararem que apesar de apoiarem Israel nos ataques, estão preocupados com as mortes dos civis e para tentar minimizar o “sofrimento”, vão enviar cerca de U$ 50 milhões para Gaza tratar os feridos porque se preocupam muito com as crianças e os velhos. Sei. É o escárnio na forma de poder.

São crimes contra a humanidade e por isso, entendo, que aqueles que mais contribuem para o senso de humanidade, os poetas, estão indo embora, de uma forma emblemática associada ao que estamos assistindo nos últimos dias. O coração de um poeta também não resiste às crueldades, a alma tropeça de dor e aí o corpo padece e quem paga… afinal, alguém já disse que a poesia pode mudar o mundo e que ela não é feita somente de palavras à tinta, mas sim feitas de ações.

E a guerra mata pessoas, mata sonhos, mata a poesia. Não à toa, me dou o direito de assim interpretar, foram numa só semana, João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e Ariano Suassuna.

João Ubaldo e sua brasilidade baiana, sua intelectualidade, sua visão pé no chão e a ironia sempre o destacaram e nos alegraram e “viva o povo brasileiro”. Em 18 de julho, o autor de “A casa dos budas ditosos” nos deixa órfãos. E como falta de poesia pouca é bobagem, no dia seguinte vai embora Rubem Alves, um humanista, um sensível às diferenças. Foi da psicanálise à filosofia. Ou seria o contrário? O fato é que “Amar é ter um pássaro pousado no dedo.  Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que, a qualquer momento, ele pode voar”. Ele voou!

As cenas dos pequenos corpos em meio aos escombros e sangue das pequenas crianças palestinas assassinadas por ideais opostos às ações que a poesia pode levar, me fez entender que pelo menos dois poetas não resistiram a esta dor e sofri, mas como não sou poeta, me agarrei as poesias na tentativa de esquecer a dura realidade da vida. Dura realidade também bem interpretada por outro poeta, que quatro dias depois resolve levar poesia – quem sabe? – às pequenas almas: Ariano Suassuna também morre e com ele… “Dizem que tudo passa e o tempo duro tudo esfarela. O sangue há de morrer, mas quando a luz me diz que esse ouro puro se acaba pôr finar e corromper, meu sangue ferve contra a vã razão e há de pulsar o amor na escuridão”.

Eles não resistiram, os civis, crianças e idosos também não conseguem resistir aos ferimentos causados pelas bombas que são lançadas na Faixa de Gaza. Da mesma maneira, nossas crianças e adolescentes não têm conseguido resistir à falta de atenção e de prioridade por parte dos governos e também por parte da sociedade e, por isso ou também por isso, sucumbem à violência ou viram estatísticas dentro desta própria violência.

Vivemos uma guerra diária onde a poesia tem pouco espaço, às vezes nenhum espaço. A reflexão da vida e do sentido dela viraram exercício extraordinário, exceção, ainda que as religiões se multipliquem e a cada esquina uma igreja esteja aberta, há algo estranho nos corações humanos que começam a se materializar em inércia e insensibilidade ao sofrimento alheio, às cenas de crianças mortas. Como se a distância dos fatos nos isentasse de mobilização. Para alguns ainda resta a indignação; para outros a resignação, mas tenho a sensação que para a maioria das pessoas, os mortos da quedas de aviões ou a morte de crianças numa guerra sem sentido – e existe sentido em guerras? – se igualam aos jogos eletrônicos de violência tão comercializados nos tempos atuais. É a banalização da vida. E onde não tem vida, não tem poesia. Pobres de nós que ainda circulamos por aqui, e, sem sermos poetas.

Ana Lúcia
editora do jornal BEIRA-RIO
analucia@jornalbeirario.com.br

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